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11 de junho de 2024
Diário do Comércio

Um rico romano, ao se deparar com um letreiro com os dizeres “Vendo sabedoria”, decidiu investir ali uma diminuta parcela do seu patrimônio.

Como rendimento do investimento, recebeu uma plaqueta que, em seguida, emoldurou e guardou em lugar de destaque em sua casa. Nela, estava escrito: “Tudo o que fores fazer, começa pelo fim”.

O fim, aqui, significa tanto o término quanto a causa final, no sentido aristotélico — é dizer, significa a finalidade, a direção para a qual determinada ação se orienta. Sabemos por experiência própria que é assim e, de fato, especialmente quando nos arriscamos a realizar algo novo, perguntamos quase que imediatamente se faz sentido fazer daquilo.

 

Ao mesmo tempo, é preciso lembrar com frequência dessa mesma verdade, sobretudo quanto às coisas mais importantes que fazemos uma vez que assimilamos a rotina (ou somos por ela assimilados?) — sob pena de transformarmos em “commodity” aquelas coisas que mais nos são caras, e acabar abrindo mão delas por um preço vil.

Em geral (“rectius”: quase sempre), o sentido das coisas é transcendente, isso é, está fora das próprias coisas:

(i) um carro, por exemplo, não encontra o seu sentido antes de alguém adentrá-lo e se transportar para outro lugar;

ii) uma norma jurídica, da mesma forma, não extrai seu sentido último do comportamento que prescreve, mas do bem comum e da estabilização das relações sociais que visa a proporcionar concretamente por meio do comportamento prescrito;

(iii) o trabalho, que dignifica e satisfaz o homem, não é fim em si mesmo, mas serve à subsistência do indivíduo e de sua família;

(iv) a própria vida humana, assim também, não encontra seu sentido completo em sua inequívoca finitude, mas naquelas outras vidas em favor de quem ela é doada — dos colegas, dos amigos, dos familiares, de Deus.

Fazer memória de cada uma dessas finalidades e de outras, que livremente elegemos e hierarquizamos, é fundamental para não trocarmos os bens de maior valor por aqueles que valem muito pouco ou quase nada: a liberdade de locomoção pelo carro; o bem pela norma; a família pelo trabalho; a felicidade pelo conforto.

Esse mesmo raciocínio é perfeitamente aplicável ao planejamento tributário, em todos os seus termos. Com efeito, a escolha por certos bens (ou aparências de bens) de valor inferior podem acabar comprometendo as finalidades do empresário de valor mais elevado.

Nesse sentido, as tentativas de se evadir, de forma fraudulenta, do dever legal de pagar tributos, embora se apresente como algo aparentemente desejável por proporcionar um alívio significativo e imediato no caixa da empresa, pode mesmo acabar por comprometer a própria subsistência da fonte produtora de renda — fora os riscos criminais envolvidos, inclusive para os sócios.

E mesmo entre os empresários conscienciosos, que procuram formas lícitas de reduzir sua carga tributária, é preciso sempre, antes de adotar uma estratégia, verificar se os instrumentos de planejamento tributário disponíveis são compatíveis com os projetos do empresário.

Poderia tratar de inúmeros casos, mas reservo-me a chamar atenção — em razão da notoriedade —, para o uso, muitas vezes indiscriminado, que se faz das “holding” patrimoniais (ou familiares). Previstas no art. 2º, § 3º, da Lei n.º 6.404/76 (Lei das S.A.), são, de forma geral, um excelente instrumento de mitigação da carga tributária envolvida na transferência de bens imóveis, em razão, sobretudo, da imunidade de ITBI prevista no art. 156, parágrafo único, inciso I, da Constituição para a integralização de capital de pessoas jurídicas por meio de imóveis.

Ocorre que, se o empresário, e. g., tiver a intenção de alienar algum desses imóveis como parte de um propósito estratégico, estruturar uma “holding”, nesse caso, pode ser um verdadeiro tiro no pé.

Isso porque, atendidas certas circunstâncias, as pessoas físicas gozam de isenção de imposto de renda sobre o ganho de capital decorrente da alienação de bens imóveis, conforme previsto no art. 23 da Lei n.º 9.250/95 e no art. 39 da Lei n.º 11.196/2005. Se, porém, esses imóveis serviram para integralizar o capital de uma pessoa jurídica, não será possível gozar da isenção do IR sobre o ganho de capital, um dos impactos tributários mais relevantes em transações imobiliárias.

Esse e inúmeros outros casos, já apresentados em luminoso artigo dos excelentes juristas e advogados Ivan Allegretti e Cristian Fetter (“Frustrações e Desastres no Planejamento Sucessório”), são exemplos de como a escolha indiscriminada de instrumentos de planejamento tributário pode acabar por comprometer finalidades mais importantes para o empresário, em troca de uma aparente (e, muitas vezes, ilusória) economia tributária.

É dizer, o propósito de redução da carga tributária não é um fim em si mesmo, mas precisa ser transcendido e servir aos propósitos superiores do empreendimento — e é por essa razão que o planejamento tributário não pode ser tratado como uma “commodity”: as finalidades empresariais de cada empreendedor são singulares, de forma que o planejamento tributário adequado é, necessariamente, singular, e não “pré- moldado”.

Qual é, então, o melhor instrumento de planejamento tributário? É o auxílio de um profissional especializado, da confiança do empresário, capaz de compreender seu negócio e seus projetos, para ajudá-lo a não trocar pelo preço vil de uma suposta (e às vezes só aparente) perspectiva de melhora no fluxo de caixa os seus projetos e sonhos mais caros.

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